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COSTITUIÇÃO MISTA E PLEBEÍSMO
Cicero Araujo
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[Este texto é um extrato de minha tese de livre-docência, intitulada Quod omnes
tangit: fundações da República e do Estado (FFLCH-USP, 2004). Seu conteúdo está
passando, no momento, por uma ampla revisão, a fim de ser, eventualmente, publicado.
Contudo, creio que os trechos que selecionei do original – correspondentes ao capítulo 1
e parte do capítulo 4 – poderão subsidiar nosso seminário. Peço, de qualquer forma,
para não citar.]
PARTE I
COSTITUIÇÃO MISTA: A HERAÇA CLÁSSICA
I.
Pensar as entidades políticas como “constituições mistas” atravessa épocas. Já
encontramos a idéia em Heródoto e Tucídides, vemo-la reafirmada por Platão e
Aristóteles e pelo Helenismo romano. Ela retorna depois, no Baixo Medievo (Blythe
1992), como uma aproximação às monarquias feudais e, depois, ao Ancien Régime.
Ganhará imensa notoriedade no período iluminista, particularmente com a obra de
Montesquieu. Mas com a Revolução Americana ela receberá a roupagem pela qual se
apresentará ao pensamento político contemporâneo.
Impossível, evidentemente, dar conta de toda essa evolução. Nossa preocupação
agora é apenas oferecer um quadro sintético da reflexão clássica (antiga) sobre a
constituição mista e de sua recepção renascentista, e ver como a experiência urbana
italiana começará a exigir deslocamentos para novos tópicos e novas abordagens.2
A questão crucial da constituição mista é como incorporar, na ordem política, os
diferentes estratos da sociedade sem corromper a república. O termo “corrupção” é um
1 Departamento de Ciência Política, FFLCH-USP.
2 A não ser em breves alusões, não é propósito deste trabalho fazer uma análise específica do problema da
constituição mista na monarquia feudal ou na monarquia do chamado Ancien Régime.
2
signo da preocupação com a qualidade moral da cidadania – a “virtude” –, que
identificamos neste trabalho como um dos acordes básicos da reflexão em modo
republic