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A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: Uma Análise As análises apresentadas no presente relatório foram elaboradas pela DataAngel Policy Research Incorporated, com os contributos de T. Scott Murray, Richard Desjardins, Serge Coulombe e Jean Francois Tremblay. Agradecemos, em particular, a Albert Tuijnman pelos seus comentários a este trabalho. Título A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: Uma Análise Autoria DataAngel Policy Research Incorporated Tradução do original em inglês José Lima e Alexandre Brum Revisão da Tradução: João Sargaço – G.I.T. – Gabinete de Interpretação e Tradução, Lda. Edição Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE) Av. 24 de Julho, 134 1399-054 LISBOA Tel.: 213 949 200 Fax: 213 957 610 E-mail: gepe@gepe.min-edu.pt URL: http: //www.gepe.min-edu.pt Novembro 2009 Capa: WM.Imagem Lda. Execução Gráfica Editorial do Ministério da Educação (EME) Tel.: 219 266 600 Fax: 219 202 765 E-mail: geral@eme.pt URL: www.eme.pt ISBN: 978-972-614-466-3 Depósito Legal 303 018/09 Tiragem 1000 exemplares 3 Índice Abreviaturas 7 Resumo 9 Prefácio 11 Capítulo 1 Introdução 13 Capítulo 2 A economia da literacia: Perspectivas teóricas 17 2.1 Definição de literacia 18 2.2 Teorias económicas 18 2.3 Os modelos económicos e a teoria da literacia 21 2.4 Teorias sobre a oferta e a procura de literacia 24 2.5 A literacia e as teorias das competências 26 Capítulo 3 Indicadores sobre os resultados da literacia a nível individual 31 3.1 Resultados obtidos no mercado de trabalho 31 3.2 Efeitos sobre os níveis de emprego e de salários 34 3.3 Efeitos distributivos sobre o emprego e os salários 37 3.4 Resultados em matéria de tecnologias de informação 38 3.5 Resultados individuais na educação 43 3.6 Resultados individuais na saúde 46 3.7 Resultados sociais individuais 47 3.8 Desempenho das empresas 48 3.9 Desempenho das escolas e das comunidades 51 Capítulo 4 Dados sobre os efeitos macroeconómicos da literacia 53 4.1 Nível de literacia e desempenho económico agregado 53 4.2 Efeitos distributivos da literacia sobre o desempenho económico agregado 58 4.3 Globalização, concorrência e mercados das competências 61 4.4 Respostas das políticas públicas nos países da OCDE 63 Capítulo 5 Portugal em comparação: os resultados do ensino e a qualidade dos recursos humanos 65 5.1 Dimensão relativa da actual coorte em idade escolar 66 5.2 Acesso, participação e conclusão com aproveitamento no ensino 67 5.3 A qualidade da actual produção educativa Produção educativa 71 4 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise 5.4 Equidade na actual distribuição da produção educativa 73 5.5 Média etária das actuais coortes de adultos 75 5.6 Qualidade da actual população activa 77 5.7 Equidade em matéria de recursos de competências da população activa 81 5.8 Resultados da educação e da literacia em Portugal associados ao mercado de trabalho 83 Capítulo 6 O papel das competências de literacia na economia 87 6.1 A procura de competências de literacia funcional nos mercados de trabalho modernos 88 6.2 A oferta de competências de literacia funcional em Portugal 94 6.3 Adequação e desadequação da oferta e da procura de competências 97 6.4 Desenvolvimento da oferta de competências através da educação de adultos 99 6.5 Promover a procura: o papel das práticas sociais, culturais e laborais 110 6.6 O papel do capital social na produção de capital humano 114 Capítulo 7 Conclusões 119 7.1 Elementos principais da tese apresentada 119 7.2 Implicações políticas gerais 120 7.3 Implicações para o Plano Nacional de Leitura 121 Apêndice A Quadros de dados 125 Apêndice B Bibliografia 129 Caixa 3A Índices de utilização e familiarização com TIC 40 Caixa 3B Medição de perfis combinados de competências de literacia e de utilização de computadores 42 Caixa 5.1 O Plano Nacional de Leitura 72 Caixa 5.2 Medição da literacia funcional no estudo International Adult Literacy Survey (IALS), realizado entre 1994 e 1998, e no estudo Adult Literacy and Life Skills (ALL), realizado em 2003 79 Caixa 5.3 O que mostram os gradientes? 81 Caixa 6.1 O programa Novas Oportunidades 109 Lista de figuras Figura 2.1 Oferta e procura de competências em contexto 28 Figura 3.1 Modelo para medição de aptidão de literacia em TIC 39 Figura 3.2A Utilização de computadores para execução de tarefas por competências de literacia 40 Figura 3.2B Probabilidade de ser um utilizador de computadores de grande intensidade por níveis de competências de literacia 42 Figura 3.2C Probabilidade de pertencer ao primeiro quartil de rendimentos por perfis combinados de competências e de utilização 43 Figura 3.3 Percentagem de jovens que tinham concluído o ensino secundário até aos 19 anos por nível de aptidão de leitura aos 15 anos, 2000 e 2003 44 Índice 5 Índice Figura 3.4 Probabilidades de receber apoio do empregador para formação 45 Figura 3.5 Comparação de resultados sociais e de saúde por nível de literacia em saúde, população canadiana com idades entre 16 e 65 anos, 2003 46 Figura 3.6 Volume de trabalho por nível de literacia 49 Figura 4.1 Comparação da taxa de crescimento económico de Portugal a longo prazo 55 Figura 4.2 Comparação da qualidade da produção educativa em Portugal a longo prazo 56 Figura 5.1 Taxas de acesso ao ensino superior de nível universitário entre 1995 e 2006 69 Figura 5.2 Taxas de acesso a estabelecimentos de ensino e formação profissional pós-secundário (Tipo B) entre 1996 e 2006 70 Figura 5.3 Resultados médios e intervalo de confiança de 95% na escala de avaliação de ciências do programa PISA, 2006 73 Figura 5.4 O contexto familiar dos estudantes e a sua aptidão em literacia 75 Figura 5.5 Distribuição comparativa de níveis de literacia 78 Figura 5.6 Resultados médios de literacia e distribuição dos percentis 79 Figura 5.7 Gradientes socioeconómicos associados aos valores de literacia documental 82 Figura 5.8 Gradientes socioeconómicos associados aos valores de literacia documental 83 Figura 5.9 Nível de instrução e salários 84 Figura 5.10 Literacia e salários 84 Figura 5.11 Literacia e desemprego 86 Figura 6.1 Literacia por nível de escolaridade 95 Figura 6.2 Literacia por idade e nível de escolaridade 96 Figura 6.3 Adequação e desadequação associadas à oferta e à procura de competências no mercado de trabalho 98 Figura 6.4 Obstáculos à participação 106 Figura 6.5 Participação na educação e formação de adultos, por obstáculos 107 Figura 6.6 Apoio dos empregadores à educação de adultos 111 Figura 6.7 O efeito de espiral ascendente da actividade educacional 112 Figura 6.8 Estatuto educacional de pais de estudantes universitários, 2004 113 Figura 6.9 Participação voluntária em actividades comunitárias 116 Figura 6.10 Confiança nos outros – grande variação, nenhuma tendência clara 117 Lista de quadros Quadro 2.1 Monitorização do impacto das intervenções no domínio da literacia segundo o quadro dos meios de vida sustentáveis 24 Quadro 3.1 Classificação da aptidão cognitiva e técnica 39 Quadro 3.2 Taxas de probabilidade que indicam o efeito do nível de literacia em leitura sobre a participação no ensino pós-secundário, Canadá, 2000 e 2003 44 Quadro 3.3 Custo estimado do baixo nível de literacia para o Canadá, meados da década de 1980 50 Quadro 4.1 Estimativa das taxas de retorno internas decorrentes de investimentos em literacia, Canadá 58 Índice 6 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Índice Quadro 4.2 Estimativa da produção económica perdida devido a problemas de saúde, faltas por doença e produtividade reduzida dos trabalhadores, população com idades entre 19 e 64 anos, Estados Unidos, 2003 60 Quadro 5.1 Equilíbrio demográfico na UE e nos países do EEE entre 2008 e 2060 76 Quadro 5.2 Efeito ajustado da literacia sobre os salários 85 Quadro 6.1 Proporção da população em idade activa nas diferentes profissões (CITP), 1998 e 2006 92 Quadro 6.2 Índice de intensidade de leitura, com indicação da frequência e da variedade da participação na leitura no trabalho, numa escala de 0 a 100 pontos, por profissão e sector, relativamente à população activa com idades entre 16 e 65, entre 1994 e 1998 e em 2003 93 Quadro 6.3 Participação em aprendizagem organizada na idade adulta 101 Apêndice A Quadros de dados Quadro 3.2A Valores médios de índice numa escala que mede a intensidade de utilização de computadores para execução de tarefas específicas, por níveis de literacia em prosa, populações com idades entre 16 e 65 anos, 2003 125 Quadro 3.2B Os rácios de probabilidades ajustados mostram a probabilidade de adultos com idades entre 16 e 65 anos serem utilizadores de computadores de intensidade elevada, por níveis de literacia em prosa, 2003 125 Quadro 3.2C Taxas de probabilidade ajustadas que indicam as probabilidades de adultos com idades entre 16 e 65 anos pertencerem ao primeiro quartil por perfis combinados de competências de literacia e de utilização de computadores, 2003 126 Quadro 3.5 Probabilidades de ter saúde razoável/débil; receber apoio ao rendimento; não participar em actividades da comunidade, por níveis de literacia em saúde, população com idade igual ou superior a 16 anos, Canadá, 2003 126 Quadro 4.1 Registo do PIB real per capita ajustado para alterações nos termos de troca, Portugal e países seleccionados da OCDE, 1950-2000 127 Quadro 4.2 Valores médios de literacia (valores médios das escalas de literacia em prosa, quantitativa e documental), Portugal e países seleccionados da OCDE, 1960-1995 127 Quadro 5.9 Anos de escolaridade por salários (em quintis), relativamente à população activa com idades entre 16 e 65 anos, em países seleccionados da OCDE num estudo realizado entre 1994 e 1998. 128 Quadro 5.10 Resultados médios na escala de literacia em prosa, de 0 a 500 pontos, por salários (em quintis), relativamente à população activa com idades entre 16 e 65 anos, em países seleccionados da OCDE, num estudo realizado entre 1994 e 1998. 128 Quadro 5.11 Taxa de desemprego por níveis de competência de literacia na escala de literacia em prosa, relativamente à população activa com idades entre os 16 e os 65 anos, em países da OCDE, num estudo realizado entre 1994 e 1998. 128 7 Abreviaturas ALBSU Adult Learning and Basic Skills Unit ALL Adult Literacy and Life-skills survey CHRTC Canadian Human Resources Trucking Council CITP Classificação Internacional Tipo das Profissões DFID Department for International Development EEE Espaço Económico Europeu EFA Education For All ETS Educational Testing Service EUROSTAT Serviço de Estatística das Comunidades Europeias EURYDICE Rede de Informação sobre a Educação na Comunidade Europeia GATT Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio HRDC Human Resources Development Canada IALS International Adult Literacy Survey IUE Instituto Unesco para a Educação LSAL Longitudinal Study of Adult Literacy MERCOSUL Mercado Comum do Sul NAFTA Acordo de Comércio Livre da América do Norte NALS National Adult Literacy Survey NU Nações Unidas OCDE Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos PIB Produto Interno Bruto PIRLS Progress In Reading Literacy Study PISA Programme for International Student Assessment TIC Tecnologias da Informação e da Comunicação TIMSS Trends In Mathematics and Science Study UE União Europeia UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura YALS Young Adult Literacy Survey 9 Resumo O presente relatório apresenta uma perspectiva não técnica do modo como os economistas encaram a literacia, analisa os dados existentes sobre os níveis de escolarização, a qualidade da população activa e o valor económico da literacia em Portugal, e analisa as opções políticas tendentes a assegurar que a oferta de competências de literacia corresponda aos níveis esperados de procura de competências. A teoria económica apoiada por um conjunto sólido de dados empíricos, analisados neste relatório, sugere que o capital humano – o conhecimento, as competências e outros atributos das pessoas susceptíveis de serem postos ao serviço da produção – constitui um importante factor motor do crescimento económico e do desenvolvimento social equilibrado, e que a literacia é um elemento chave e determinante tanto do capital humano como do capital social. Enquanto a procura de competências de literacia é impulsionada pelas mudanças na tecnologia e na organização social, a oferta de literacia é determinada pelas práticas quotidianas de leitura e pela aprendizagem ao longo de toda a vida. A procura e a oferta de literacia são correspondidas nos mercados por competências que funcionam como motores de criação de desigualdade social e económica baseada nas competências. Nestes mercados incluem-se os mercados de trabalho, da educação, da saúde e os mercados que asseguram o acesso ao poder e à influência na sociedade em geral. Até há pouco tempo, a pesquisa assentava na medição indirecta das competências de literacia, nomeadamente nos anos de escolaridade e nos níveis de escolarização, analisando as suas relações com os resultados individuais, económicos e sociais à escala nacional. A existência de medições directas fiáveis das competências de literacia permite, agora, uma análise mais rigorosa das dimensões económicas da literacia em Portugal Da análise apresentada neste relatório, emergem cinco conclusões crucialmente importantes para o país: • Em primeiro lugar, existem grandes diferenças entre os níveis e a distribuição das competências de literacia tanto no interior dos países como entre eles. Portugal apresenta os níveis mais baixos de competências de literacia de entre todos os países onde se realizaram inquéritos até à data; • Em segundo lugar, na maioria dos países, as diferenças entre os valores médios de literacia são importantes no plano individual uma vez que valores mais elevados traduzem-se em melhor acesso à educação, emprego mais estável, melhores salários, melhor saúde e em níveis mais elevados de participação social. A este respeito, Portugal é atípico, porque os valores de literacia têm pouco impacto no sucesso individual no mercado de trabalho, salvo ao nível mais elevado de literacia – um fenómeno que se presume decorrer do baixo 10 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise nível geral de competências de literacia e da baixa intensidade em literacia da maioria dos empregos no país; • Em terceiro lugar, os ambientes pobres em literacia influenciam de forma adversa o desempenho das instituições sociais e económicas, designadamente as escolas, as organizações da comunidade e as empresas; • Em quarto lugar, a literacia é importante à escala macroeconómica. As diferenças nos valores de literacia apurados nas populações dos países da OCDE explicam cabalmente quase 55 por cento de diferenças na taxa de crescimento a longo prazo do PIB nacional per capita. A existência de uma elevada proporção de adultos com baixos níveis de literacia inibe, pois, o crescimento económico a longo prazo. Numa outra análise encomendada pelo Ministério da Educação português (Coulombe e Tremblay, 2009), a diferença de competências de literacia dos recém-chegados ao mercado de trabalho português, relativamente aos restantes 14 países da OCDE, corresponde a 47,5 por cento da diferença existente no crescimento efectivo do PIB per capita entre Portugal e a média dos países da OCDE. A restante parte da diferença do PIB per capita entre Portugal e a média dos países da OCDE é explicada pelo défice relativo de capital físico, pela baixa taxa de emprego e pelo atraso tecnológico. • Por último, melhores níveis nos valores de literacia da população adulta deverá render benefícios económicos e sociais significativos a Portugal, mas a sua obtenção dependerá do êxito da aplicação de medidas activas para estimular a procura de literacia na economia e na sociedade. • Das conclusões deste trabalho destaca-se que Portugal deve preocupar-se com a economia da literacia por, pelo menos, três motivos principais: primeiro, devido à influência que a literacia exerce na capacidade da economia para criar riqueza; segundo, porque o défice de literacia gera níveis indesejáveis de desigualdade com consequências importantes, nomeadamente, na educação e na saúde; e, terceiro, porque uma baixa literacia reduz a eficácia dos investimentos públicos realizados com o objectivo de fornecer bens e serviços a adultos com baixos níveis de competências. O Plano Nacional de Leitura, lançado em Junho de 2006 pelo Governo português para promover a leitura nas escolas, nas bibliotecas públicas e noutras organizações sociais, é um elemento crucial do esforço nacional para melhorar a oferta de competências de literacia no país e, por esse motivo, deve beneficiar de apoio político e financeiro sustentado. O Plano Nacional de Leitura poderá vir ter, oportunamente, um impacto benéfico, mas precisa de ser complementado por um esforço concertado que também melhore a qualidade do ensino inicial e desenvolva um sistema eficaz de educação e de formação de adultos com incentivos adequados para atrair os muitos portugueses adultos que perderam oportunidades educativas em fases anteriores da sua vida. Melhorar a oferta de competências de literacia é apenas uma parte, embora importante, desta equação. A outra é a melhoria da procura de competências de literacia na economia e na sociedade portuguesas. O reconhecimento, a validação e a remuneração das competências de literacia no mercado de trabalho constituem, por isso, um enorme desafio para o país. 11 Prefácio Portugal encontra-se hoje numa encruzilhada. No passado, os sucessivos governos foram lentos na expansão do acesso à educação e na melhoria da quantidade e da qualidade dos resultados do sistema educativo. O sub-investimento no capital humano acumulou-se ao longo dos anos, tendo por consequência que os presentes níveis de literacia adulta se encontrem entre os mais baixos na área da OCDE. O presente estudo defende que as mudanças recentes ocorridas na estrutura da economia mundial fizeram aumentar enormemente a procura de competências de literacia, decorrendo daí consequências económicas negativas associadas a níveis de competências inferiores aos de outros países. Porém, os recentes investimentos feitos nos ensinos básico e secundário em Portugal parecem não estar a produzir os ganhos necessários em competências de literacia, em parte devido aos resultados comparativamente fracos em competências de literacia de leitura dos alunos no termo da escolaridade obrigatória e também devido à dimensão relativamente reduzida das coortes de indivíduos certificados do secundário e aos baixos níveis de frequência do ensino superior. Do mesmo modo, os recentes investimentos na educação e na formação de adultos parecem não ter a escala suficiente para produzir o desejado aumento geral de competências de literacia. Conclui-se, assim, que é necessário um nível muito mais elevado de investimento, tanto na educação inicial como na educação de adultos, se Portugal quiser melhorar o seu acervo de capital humano mais rapidamente do que os seus concorrentes nos mercados internacionais. O alargamento da educação pré-escolar a todas as crianças com quatro e cinco anos, programa que já está a ser aplicado em Portugal, e o Plano Nacional de Leitura, que promove, principalmente, a leitura numa base quotidiana entre as crianças do nível pré-escolar e dos primeiros seis anos do ensino básico, são decisivamente importantes. Mas, além das medidas tomadas para melhorar a qualidade da escolaridade obrigatória e reduzir a taxa de abandono escolar precoce, devem ser dados passos concretos para criar ambientes ricos em literacia, em casa, no emprego e na comunidade em geral, para que a oferta de competências actualmente existente possa ser utilizada. 12 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Não é claro, porém, se os níveis actuais de investimento servirão para melhorar os níveis de literacia com rapidez suficiente para apoiar o crescimento de produtividade de que o país necessita, porque a dimensão do investimento depende, necessariamente, dos actuais níveis de competências da população activa portuguesa e das actuais estruturas do mercado de trabalho e da economia. Realizar a mudança terá, por isso, um custo de investimento elevado que necessitará de um esforço nacional tremendo e sustentado. Sem um investimento inicial suficiente, Portugal irá, provavelmente, enfrentar um período de vários anos com reduzidas taxas de crescimento do PIB e com elevados níveis de desigualdade em resultados considerados importantes, nomeadamente em domínios como a saúde, o emprego, a educação e a participação social. T. Scott Murray Director da DataAngel 13 Introdução O presente relatório baseia-se no pressuposto de que a literacia – a capacidade de compreender e aplicar informações impressas ou a partir de outros media – desempenhará um papel central na determinação do sucesso económico relativo de Portugal nas próximas décadas. Este documento foi concebido para proporcionar aos leitores não técnicos a compreensão dos motivos pelos quais isto deve acontecer, bem como em que medida os actuais níveis de investimento em capital humano propiciarão ritmos acelerados de melhoria das competências de literacia necessárias para aumentar a competitividade e contribuir para o crescimento económico sustentado de Portugal. O Capítulo 1 contém a introdução ao relatório. O Capítulo 2 apresenta um resumo da teoria económica que identifica a literacia como economicamente importante. Esta informação é decisiva para estabelecer os motivos pelos quais o Plano Nacional de Leitura e as reformas educativas recentemente introduzidas, concebidos para melhorar o nível das qualificações e das competências da população portuguesa, são centrais para o futuro do país. Todos os dados disponíveis indicam que a literacia tem, actualmente, um valor económico reduzido nos mercados de trabalho do país e que os baixos níveis de literacia têm limitado o crescimento macroeconómico ao longo dos anos. O Capítulo 3 analisa os dados, obtidos a partir da bibliografia científica publicada, sobre a influência que a literacia exerce nos resultados individuais obtidos a nível do mercado de trabalho, da saúde, da educação e no plano social. Os resultados apresentados deixam poucas dúvidas sobre a importância económica e social da literacia. Os indivíduos com níveis superiores nos valores de literacia trabalham mais, têm mais recursos materiais, são mais saudáveis e participam mais frequentemente no processo democrático. O Capítulo 4 resume o que se conhece da bibliografia publicada sobre a forma como - e a extensão em que - a literacia dos adultos condiciona o desempenho macroeconómico das nações. Os indicadores disponíveis sugerem que níveis médios mais elevados de literacia propiciam níveis significativamente mais elevados de produtividade e de crescimento do PIB a longo prazo. Além disso, as taxas de produtividade e de crescimento do PIB parecem ser reduzidas em países com uma grande proporção de trabalhadores com baixas competências. O Capítulo 5 apresenta uma perspectiva dos esforços mais recentes de Portugal para aumentar o acesso à educação, nomeadamente por parte dos adultos, e melhorar a qualidade e a quantidade do ensino inicial. Das conclusões não resulta um quadro agradável. Devido ao sub-investimento, a população apresenta, historicamente, um baixo nível de escolarização e a qualidade da população activa, medida em escalas de literacia adulta, é baixa, quando comparada com outros países da OCDE. Mudar Capítulo 1 14 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise rapidamente esta situação é quase impossível porque a dimensão das próximas coortes de indivíduos certificados está a diminuir, porque a taxa de indivíduos com a certificação do ensino secundário está longe de ser universal e porque o acesso universal ao ensino superior se mantém restrito e desigual, e também porque os resultados dos testes normalizados sobre aptidão escolar dos alunos ainda deixam muito a desejar. O Capítulo 5 também analisa a qualidade da actual população activa portuguesa através do exame do nível e da distribuição das competências de literacia. As conclusões documentam claramente valores médios comparativamente baixos de competências de literacia na população, bem como grandes diferenças de valores constatados entre subsegmentos da população – um claro indicador de grandes desigualdades nos níveis de literacia em Portugal. A relação entre os níveis de literacia e os rendimentos do trabalho reflecte estas desigualdades. Em parte, porque uma proporção muito elevada de empregos em Portugal requer apenas baixas competências, a relação entre a literacia e os salários é fracamente negativa para quem tem níveis baixos e médios de literacia. Em Portugal, os níveis de literacia apenas são economicamente importantes no segmento mais elevado da escala salarial. Estes resultados tornam absolutamente claro que são desesperadamente necessários políticas e programas que tenham por objectivo aumentar a oferta de literacia e reduzir a desigualdade social na literacia, designadamente através do Plano Nacional de Leitura. Contudo, estas políticas devem ser acompanhadas por medidas tendentes a aumentar a procura de competências de literacia no mercado de trabalho. O Capítulo 6 analisa com maior grau de pormenor a oferta e a procura das competências de literacia. Primeiro, considera a tendência para um aumento da procura de competências no mercado de trabalho português. Seguidamente utiliza dados comparativos para examinar a oferta de competências de literacia por subgrupos da população. Em terceiro lugar, é estudada a interacção entre a procura e a oferta de competências com o objectivo de avaliar a extensão da adequação e da desadequação no mercado de trabalho português. Os resultados empíricos mostram que três quintos dos trabalhadores em Portugal se encontram numa situação de equilíbrio de baixas competências. As conclusões sublinham a urgência da necessidade de desenvolver estratégias activas de educação de adultos que cheguem aos indivíduos com baixas competências no país. As perspectivas existentes neste domínio não são, porém, totalmente encorajadoras porque os indicadores adicionais apresentados neste capítulo revelam uma baixa taxa de participação nas actividades de educação de adultos, um baixo nível de adesão à leitura em casa e no local de trabalho e um baixo nível de medidas no domínio do capital social, que desempenham um papel instrumental na produção do capital humano. O Capítulo 7 apresenta as conclusões do estudo e analisa algumas implicações políticas. Aumentar o nível de competências de toda a população exigirá um investimento adequado de longo prazo em todas as componentes do sistema de aprendizagem ao longo da vida. Não exige apenas as reformas educativas que estão actualmente a ser aplicadas (Ministério da Educação, 2007), mas também a disponibilização de acesso universal à educação pré-escolar de qualidade às crianças de quatro e cinco anos, a melhoria das condições de ensino e de aprendizagem e o aumento do tempo dedicado efectivamente à aprendizagem no ensino básico, o alargamento da escolarização em geral, programas de formação profissional no ensino secundário e o aumento do acesso ao ensino superior e ao ensino pós-secundário não superior. Decisivamente, além das medidas tomadas para melhorar a quantidade e a qualidade do ensino inicial, Portugal necessita de um sistema de educação recorrente e de uma política de formação muito mais activa destinada à população adulta em geral. Isto deve ser acompanhado por 15 Capítulo 1 / Introdução esforços tendentes a construir ambientes ricos em literacia em casa, no trabalho e na comunidade em geral. A recente aplicação do Plano Nacional de Leitura e de outras reformas demonstra que os políticos e os decisores políticos portugueses dão importância a estes factos. As fontes e as referências são referidas nos anexos. 17 Capítulo 2 A economia da literacia: perspectivas teóricas Por que motivo devemos preocupar-nos com a economia da literacia? Numa palavra: “mudança”. A mudança é um aspecto determinante da vida moderna na economia global dos nossos dias. As tecnologias mudam, a organização do trabalho muda, os termos de troca mudam, as comunidades mudam e os papéis sociais mudam à medida que os indivíduos evoluem na sua vida. A mudança é inevitável. A mudança obriga os indivíduos, as instituições sociais e os países a adaptarem-se. Os indivíduos e as instituições que têm a capacidade de se adaptar são resistentes – sobrevivem e têm a oportunidade de se desenvolver. Os indivíduos e as instituições que não têm a capacidade de se adaptar tornam-se vulneráveis e dependentes. A capacidade que as sociedades e as economias têm de se adaptar à mudança depende, entre outras coisas, das competências que os indivíduos, as instituições sociais e os países possuem. A literacia tem sido reconhecida como um importante activo económico e social ao longo de, pelo menos, 3 200 anos (Statistics Canada e Human Resource Development Canada, 1996)1. Deste modo, o interesse do próprio país sugere a existência de uma necessidade de compreender como a literacia influenciará as vidas dos cidadãos portugueses no futuro e como os pais, os alunos, os cidadãos e os trabalhadores necessitam de responder às mudanças globais e regionais na procura de literacia. A literacia – o seu nível médio e a sua distribuição na população – tem desempenhado um papel central na criação da riqueza económica que permite aos cidadãos de muitos países da OCDE beneficiarem dos mais elevados padrões de vida do mundo. Embora Portugal tivesse sido um dos primeiros países a aprovar a universalidade do ensino primário, o país tem sido mais lento do que a maioria dos outros no aumento das taxas de indivíduos com certificação do ensino secundário e do ensino superior. Indicadores recentes sugerem que a literacia se tornará um elemento ainda mais importante e determinante do progresso económico e social, à medida que a estrutura da economia global evolui. Por este motivo, os decisores políticos e os políticos precisam de dedicar a sua atenção à literacia. 1. Como é demonstrado pelo papiro encontrado em Tebas, datado de 1210 a.C., reproduzido no prefácio de Reading the Future: A Portrait of Literacy in Canada (Statistics Canada and Human Resource Development Canada, Canadá, 1996). 18 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Os baixos níveis de literacia têm sido responsáveis pela criação de grande parte da desigualdade social que se encontra em muitos dos resultados que os cidadãos portugueses mais valorizam – boa saúde física, capacidade de aceder a oportunidades de aprendizagem, confiança na participação social e na vida democrática e oportunidade de beneficiar de empregos estáveis e com salários elevados. A eficácia dos mercados portugueses de bens públicos – o mercado de trabalho, os sistemas de saúde e de aprendizagem e o sistema político – encontra-se seriamente limitada pelo baixo nível médio de literacia e pelos elevados níveis de desigualdade social na sua distribuição. A literacia também desempenha um papel central na determinação dos níveis de eficácia fiscal e nos resultados recebidos das actividades dos governos. A procura e o custo da oferta dos bens e serviços públicos, incluindo os serviços de saúde e de educação, seriam muito mais reduzidos se os níveis de literacia fossem mais elevados. A preocupação com a economia da literacia também é de ordem pragmática. Quer se goste ou não, a economia domina o processo político na maioria dos países, incluindo Portugal. Assim, para que seja possível obter êxito neste domínio, o imperativo moral do investimento público em literacia deve ser apoiado com argumentos económicos. 2.1 Definição de literacia Reduzida à sua expressão mais simples, a economia da literacia tem que ver com o capital humano, definido como o conhecimento, as qualificações, as competências e as outras qualidades dos indivíduos susceptíveis de serem empregues no sistema produtivo (OCDE, 1998). As competências de literacia – a capacidade de utilizar informações a partir de suportes impressos para resolver problemas – têm sido consideradas, desde há muito, um dos elementos fundamentais do capital humano. Em teoria, a literacia influencia resultados económicos geralmente definidos a três níveis: o individual; o social, nomeadamente as escolas, as comunidades e as empresas; e o nível macro da economia e da sociedade. A presença de impactos positivos a um dado nível não implica, necessariamente, impactos positivos nos níveis mais elevados. Por exemplo, o mercado de trabalho pode recompensar os trabalhadores que possuam competências mais elevadas de literacia, destacando-os para funções mais bem remuneradas, mas isto pode não servir para aumentar a rentabilidade da empresa onde trabalham, nem o desempenho económico geral da economia. 2.2 Teorias económicas A procura dos determinantes das diferenças nos padrões de vida das várias economias, a longo prazo, pode ser atribuída a Adam Smith, um dos primeiros economistas a compreender o impacto dos conhecimentos e das competências das pessoas no crescimento económico (Smith, 1776). A pesquisa levou à elaboração de diversas teorias concorrentes, incluindo a teoria neoclássica do crescimento (Solow, 1956), a teoria do crescimento endógeno (Romer, 1986), as teorias do investimento social (Hall e Jones, 1999), o trabalho de Sen sobre direitos (1980) e o modelo dos meios de vida sustentáveis elaborado por Cameron e Cameron (2005). Estas teorias são importantes porque as conclusões que delas resultam exercem uma profunda influência sobre aquilo que os decisores políticos pensam ser importante e sobre onde decidem investir os limitados recursos públicos que têm à sua disposição. Os modelos macroeconómicos, incluindo os modelos de crescimento endógeno, têm, de forma coerente, fornecido estimativas do retorno do capital humano muito 19 Capítulo 2 / A economia da literacia: Perspectivas teóricas abaixo das que são calculadas, a nível individual, com o auxílio de dados sobre o impacto que os níveis de escolarização e os anos de escolarização e de experiência profissional têm sobre os salários e o emprego. Os responsáveis pela política económica partem há muito do princípio que os modelos macro estão certos. Este princípio foi recentemente posto em causa por economistas que defendem que as medidas tendentes a promover os níveis de escolarização, o número de anos de escolarização e a experiência obtida no mercado de trabalho não têm logrado resolver grande parte das diferenças no capital humano a nível individual, resultando daí a sobrestimação do impacto dos outros factores (Krueger e Lindahl, 2000; Hanushek e Zhang, 2006). As primeiras abordagens empíricas desta questão não apareceram senão no final da década de 1950, quando Robert Solow (1956) formulou os princípios essenciais da teoria neoclássica do crescimento. Segundo o modelo neoclássico inicial, o crescimento económico foi impulsionado pela melhoria da produtividade resultante de avanços tecnológicos determinados fora do modelo (ou seja, exógeno). Os modelos neoclássicos de crescimento consideram o capital humano como um bem de investimento, quase do mesmo modo que um agricultor pode considerar o investimento em tractores, um pescador em barcos ou um madeireiro em tractores rechegadores. E, tal como um agricultor obterá receitas cada vez menores se continuar a comprar mais e mais tractores, estes modelos sustentam que os proveitos da acumulação de capital humano estão a diminuir. Suponhamos que um país dedica, anualmente, um valor fixo de 10% do PIB à acumulação de capital humano. Mais capital humano significa que o país pode produzir mais, o que se traduz, por sua vez, num aumento dos gastos em capital humano, originando maior produção e assim sucessivamente. No entanto, o país retira receitas cada vez menores do seu investimento adicional em capital humano em cada ciclo, até o processo começar lentamente a parar, alguns anos mais tarde, num nível estacionário de investimento em capital humano (e num nível estacionário de PIB). Se a taxa de investimento aumentasse de 10% para 12%, o processo de acumulação de capital humano e os aumentos no PIB retomariam e prosseguiriam até o país alcançar um novo nível estacionário de investimento em capital humano (e de PIB). Em 1960, Gary Becker propôs uma teoria alternativa segundo a qual o crescimento económico dependeria de uma série de factores, nomeadamente o capital físico, o capital financeiro e o capital humano (Becker, 1964). Ao longo dos últimos cinquenta anos, muitos dos princípios fundamentais da teoria do capital humano foram empiricamente confirmados – o capital humano é realmente importante para o crescimento (Becker, 1964; Schultz, 1963; Mincer, 1974) – mas também neste domínio emergiram contradições flagrantes e resultados não intuitivos. Embora sendo sugestivo, o modelo de Solow não pôde ser testado devido à falta de elementos fiáveis. No final da década de 1980, com dados disponíveis, internacionalmente comparáveis, sobre níveis de rendimentos e preços (Summer e Heston, 1988) e com a emergência de modelos de crescimento endógeno, tornou-se possível testar empiricamente os vários modelos. Segundo Coulombe, Tremblay e Marchand (2004), os modelos de crescimento endógeno tiveram como pioneiros Romer (1986) e Lucas (1988), que foram os primeiros a concentrar-se nas relações dinâmicas e de longo prazo entre o capital humano e o progresso tecnológico, empregando modelos em que a taxa de crescimento da produtividade a longo prazo emergia endogenamente das variáveis do modelo. 20 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Os modelos de crescimento endógeno atribuem uma importância muito maior ao papel do capital humano e consideram a acumulação de conhecimento e de competências como sendo bastante diferente da acumulação de capital físico. Em particular, estes modelos pressupõem retornos constantes ou crescentes do investimento em capital humano. Consideremos novamente o país que dedica, anualmente, 10 por cento do seu PIB à acumulação de capital humano. À medida que o país fica mais rico, dedica mais ao capital humano que, por seu turno, continua a fazer aumentar a produção e assim sucessivamente, por período indefinido. Nos modelos de crescimento endógeno, a acumulação de capital humano conduz a um aumento sustentado do PIB, ou seja, a um crescimento económico sustentado a longo prazo. O aumento do investimento em capital humano em 12 por cento do PIB daria um impulso ainda maior a este ciclo virtuoso de crescimento contínuo. Temple (2000) faz uma excelente análise e debate do trabalho empírico sobre o crescimento económico. Dorwick (2003) aborda características de modelos de crescimento endógeno geradores de retornos constantes ou crescentes dos investimentos em capital humano. Os estudos sobre a regressão do crescimento em vários países constituem um campo de estudo relativamente novo na economia, tendo sido apenas realizados ao longo dos últimos quinze anos. Estes estudos procuram, tipicamente, explicar apenas as experiências de crescimento dos países a partir de 1960, recorrendo a uma amostra vasta de países ou, menos frequentemente, a uma amostra de países da OCDE. Alguns destes estudos empregam um modelo formal que deriva de um dos modelos teóricos de crescimento, como os referidos supra, mas outros utilizam especificações mais ou menos ad hoc. Quase todos os estudos sobre vários países incluem alguma medição do capital humano nas suas regressões, mais frequentemente taxas de escolarização ou a média de anos de escolarização da população em idade activa. Hanushek e Kimko (2000) e Barro (2001) afastam-se da norma ao recorrerem aos resultados de testes internacionais relativos à aptidão escolar entre as décadas de 1960 e de 1990. Nestes modelos, verifica-se que uma população mais instruída e mais culta tem mais probabilidades de inventar (ou importar de outros países) melhores métodos de produção, de modo a obter melhores resultados com a mesma quantidade de recursos, graças à sua utilização por uma população com níveis mais elevados de capital humano. Isto gera a possibilidade, ausente nos modelos neoclássicos, de os níveis mais elevados de capital humano conduzirem a um crescimento mais elevado da produção por trabalhador. As teorias do crescimento económico têm amplamente postulado um papel importante à educação como sistema chave para a criação de capital humano e de literacia, embora tenha variado o modo exacto como essa educação é vista na melhoria do aumento do crescimento. Uma população mais instruída e com mais literacia pode estar muito melhor equipada para adoptar tecnologias novas. Contudo, estudos empíricos sobre as diferenças de rendimentos entre países, realizados na década de 1990, pareceram dar apoio aos modelos neoclássicos tal como sintetizados na obra de Barro e Sala-i-Martin (1995). O modelo básico de Solow teve, contudo, de ser aperfeiçoado para poder explicar as diferenças quantitativas nos padrões de vida entre vários países. E, mais importante, o conceito de capital teve de ser alargado para incluir o conceito de capital humano (Mankiw, Romer e Weil, 1992). Baumol (1986), utilizando dados de um grupo de países pertencentes à amostra de Maddison (1982), foi um dos primeiros a confirmar a convergência absoluta das taxas de crescimento em vários países. Porém, não foi possível retirar conclusões definitivas sobre os processos de crescimento em todos os países porque os casos nacionais incluídos na amostra pertenciam apenas a um grupo de países que haviam 21 Capítulo 2 / A economia da literacia: Perspectivas teóricas conseguido alcançar um nível elevado de desenvolvimento no final do período em estudo. O conjunto de dados de alcance internacional de Summers e de Heston (1988) foi o primeiro a fornecer uma amostra mais vasta de países em que se incluíam países ricos e pobres. Estes dados permitiram a macroeconomistas como Romer (1989) especificar outros modelos e concluir que a convergência absoluta não se mantinha numa amostra maior e mais heterogénea de países. Mais precisamente, Romer concluiu que não havia uma correlação significativa entre os níveis de rendimento iniciais e as taxas subsequentes de crescimento. Com base nos resultados empíricos de Baumol e de Romer, Mankiw, Romer e Weil (1992) modificaram o modelo neoclássico inicial de Solow de forma a abranger a acumulação de capital humano, introduzindo assim a noção da convergência condicional. Os estudos de regressão de vários países levaram estes economistas a concluir que, em vez de alcançar um nível estacionário comum, cada país alcançava o seu próprio equilíbrio graças a diferenças nas taxas de investimento, nas taxas de crescimento populacional e nos recursos de capital humano que condicionam, no seu conjunto, o nível estacionário de um dado país. No modelo de Solow “aumentado”, de Mankiw et al. (1992), a educação é incorporada na função produtiva como uma forma de capital . Tal como acontece com o capital físico no modelo neoclássico, um aumento do conjunto de adultos instruídos conduz a um aumento pontual, ceteris paribus, no nível de produção por trabalhador de um país, mas sem impacto a longo prazo no crescimento económico. No entanto, no contexto dos modelos económicos neoclássicos, o longo prazo pode ser um período de diversas décadas em que todos os outros factores se ajustam ao novo nível de literacia. O curto prazo económico, durante o qual a economia muda para um novo equilíbrio enquanto outros factores se mantêm constantes, é preferido por muitos economistas que procuram informar a definição de políticas. Desde o trabalho de Mankiw et al. (1992) que o conceito de convergência condicional tem sido repetidamente confirmado em análises de dados de painel e transversais a vários países. Segundo Glaeser et al. (2004), duas teorias económicas concorrentes assumiram proeminência – uma que postula que a acumulação de capital humano é o factor mais importante (Mankiw, Romer e Weil, 1992, e Barro, Mankiw e Sala-i-Martin, 1995, inter alia) e outra que sugere que são as melhorias institucionais e de investimento em infra-estruturas sociais que impulsionam o crescimento (Hall e Jones, 1999). 2.3 Os modelos económicos e a teoria da literacia As teorias económicas analisadas supra foram postas em causa por outros teóricos que tentaram ligar a economia a teorias mais amplas sobre o desenvolvimento. Entre estes, encontram-se Sen e o seu modelo de direitos, capacidades e funcionamentos (Sen, 1980) e o modelo dos meios de vida sustentáveis de Cameron e Cameron (2005), como a seguir se descreve. O modelo conceptual de Sen (1980), que combina direitos, capacidades e funcionamentos, foi proposto como um modelo económico alternativo para o pensamento sobre o capital humano e a literacia. Este modelo nasceu do estudo das causas sociais das grandes fomes da década de 1970 e deu origem a uma abordagem de carácter geral do desenvolvimento humano nas décadas de 1980 e de 1990 (ver Gasper e Cameron, 2000). 22 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Cameron e Cameron (2005) fazem o seguinte resumo: “Todas as pessoas possuem conjuntos de direitos e de responsabilidades que lhes asseguram, a elas e aos outros, carteiras de recursos. Alguns direitos baseiam-se em direitos individuais de propriedade reconhecidos na lei, outros podem ser usufruídos como serviços públicos (por exemplo, a educação), outros podem ser garantidos como acesso a propriedade comum ou partilhada através de convenções sociais ou de associação em organizações (por exemplo, grupos de utilizadores da floresta ou da água) e outros ainda podem surgir a partir do comércio e das acções das forças do mercado. Existem, aqui, paralelos claros com o perfil de recursos no modelo dos meios de vida sustentáveis. No que respeita aos indivíduos vulneráveis, qualquer direito pode ser melhorado ou adquirido pela melhoria de uma forma adequada de literacia. Literacias interligadas e múltiplas nos domínios da legislação, da defesa da melhoria de serviços, da direcção de associações e da negociação com o comércio ou com a banca, podem, todas elas, reduzir a vulnerabilidade e melhorar o bem-estar económico. As capacidades são aperfeiçoadas quando as pessoas adquirem competências que podem empregar para utilizar os seus direitos de novas maneiras. Os ganhos no conhecimento “bancário” factual, induzidos por programas conjuntos de literacia, educação e formação profissional, podem melhorar capacidades, embora apenas no sentido mais fraco de competências técnicas complementares. Todos os programas bem sucedidos de literacia melhoram, inevitavelmente, as competências gerais em matéria de recolha, organização e armazenamento de informações. E também podem ter implicações para a modificação do modo como as pessoas se relacionam umas com as outras, dos pontos de vistas lógico e emocional, enquanto aspectos de acções de comunicação. As intervenções junto dos indivíduos adultos no domínio da literacia são, em geral, actividades de grupo, em parte por uma questão de simples eficácia económica e de custos. Muitas intervenções no domínio da literacia (por exemplo, a REFLECT da ActionAid) apresentam como virtude social explícita a criação de grupos e enfatizam a melhoria das capacidades de relacionamento social. Outras intervenções aceitam passivamente a organização lógica do ponto de vista económico, o estilo didáctico da sala de aula, familiar da escola convencional, e pouco fazem para aumentar capacidades. O grau em que um objectivo explícito visa melhorar as capacidades interactivas pode ter implicações para os tipos de actividades económicas susceptíveis de serem estimulados por uma intervenção no domínio da literacia. Os funcionamentos, no modelo de Sen, são o que as pessoas decidem realmente concretizar através da utilização do seu tempo, da sua energia e das suas capacidades. Os funcionamentos revelam-se nas actividades observadas, para calcular taxas de retorno em ganhos de literacia ou para descrever uma mudança no perfil de subsistência resultante de uma intervenção de literacia. As associações entre capacidades e funcionamentos revelam escolhas reais e liberdades detidas pelas pessoas. Uma intervenção no domínio da literacia pode aumentar o leque de capacidades dos participantes e ser considerada bem sucedida, a este respeito, mas os participantes podem sentir que não têm outra opção senão manter o mesmo padrão de funcionamentos. Há aqui envolvida uma questão de modo de actuação, com uma dimensão social muito forte. Os estudos feministas identificaram diversas fases no processo de capacitação, nomeadamente a auto-avaliação, a avaliação em formas de relacionamento imediato, familiar ou de clã, a actividade em organizações mais formais e realizações colectivas em mudanças estruturais. Um programa de literacia estará possivelmente incompleto se, como intervenção socioeconómica, não apoiar os seus participantes em todas estas fases e se, no final, não melhorar os seus perfis iniciais de direitos. A economia da literacia devia preocupar-se muito com os processos através 23 Capítulo 2 / A economia da literacia: Perspectivas teóricas dos quais as pessoas negoceiam com terceiros poderosos e reivindicam direitos a certos recursos, e considera uma responsabilidade das intervenções de literacia a criação de capacidades de literacia de deliberação apropriadas, bem como a facilitação do desenvolvimento de formas organizacionais em que as competências de literacia adquiridas se possam expressar.” O modelo dos meios de vida sustentáveis é vulgarmente utilizado para fazer a ponte entre a economia e estudos de desenvolvimento mais amplos e, segundo Cameron e Cameron (2005), é suficientemente amplo para englobar algumas das complicações ignoradas na análise mais convencional de custo/benefício. Recentemente, este modelo adquiriu também proeminência entre as agências de desenvolvimento como forma de ligar a literacia ao contexto mais vasto da vida e das aspirações dos pobres (por exemplo, DFID, 2002). No modelo dos meios de vida sustentáveis, considera-se que todos os agregados familiares utilizam padrões de riqueza natural, produzida, humana, financeira e social, em mudança, para criar meios de subsistência: • as pessoas também podem desenvolver as suas capacidades e transformá-las em competências que, com o tempo, se expressam como riqueza humana que é, simultaneamente, meio e fim de desenvolvimento a longo prazo; • o ambiente físico relativamente modificado é um reservatório de riqueza natural importante para o bem-estar humano, em si mesmo, e capaz de auto- desenvolvimento; • a actividade humana no ambiente natural pode gerar a produção de riqueza, tais como equipamentos e utensílios para cozinhar, que têm uma vida física e um potencial produtivo que vão para além do consumo humano imediato; • parte da riqueza é detida sob formas financeiras, como dinheiro ou afins, como a joalharia, devido às suas propriedades de liquidez e por ser altamente fungível com outras formas de riqueza; e • as sociedades têm histórias colectivas de construção da confiança, da autoconfiança e da segurança mútua nas relações, que constituem uma riqueza social. Este modelo transforma-se numa teoria do comportamento quando propõe que muitas pessoas utilizem os seus recursos para reduzir a sua própria vulnerabilidade e aumentar a certeza como estratégias de adequação para a sustentabilidade. Só alguns podem dar-se ao luxo de correr riscos e procurar a acumulação. O foco de muitos estudos sobre meios de subsistência, desenvolvidos por investigadores da literacia, é o modo como um ganho de literacia melhora as capacidades de pessoas vulneráveis para gerir a sua subsistência numa economia global com muitos desafios. As intervenções de literacia podem ser associadas a este modelo através de uma matriz que considera cada recurso em si mesmo e que permite considerar os respectivos relacionamentos (ver Quadro 2.1). As quinze associações referidas no Quadro 2.1 são suficientes para demonstrar o surpreendente leque de modos através dos quais a literacia pode, em teoria, melhorar o quotidiano económico e como o desconhecimento da importância da literacia pode condicioná-lo. 24 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Segundo Cameron e Cameron (2005), cada uma destas associações pode ser examinada com vista a averiguar a sua eficácia na melhoria das condições de subsistência, quer através da força do mercado quer através da defesa política de causas. Também podem ser desagregadas para análise por género, estatuto social e deficiência. 2.4 Teorias sobre a oferta e a procura de literacia Cada uma das teorias acima apresentadas corporiza um modelo económico de competências que inclui elementos de procura, oferta e mercados de competências. Como a seguir se ilustra, a adopção de um modelo como este permite definir, a qualquer momento, o perfil da natureza da oferta e da procura de competências e analisar o modo como essa procura e oferta podem evoluir a curto e médio prazo. O ponto de partida é que diferentes contextos de vida – trabalho, casa e comunidade – impõem aos indivíduos exigências em matéria de competências. O tipo de competências requeridas, o seu nível de dificuldade e o grau em que se impõem soluções práticas, cristalizadas, fluidas ou criativas pode caracterizar estas exigências. A aptidão individual pode ser caracterizada nas mesmas dimensões e pode ser- lhe atribuída uma probabilidade que reflicta o grau de probabilidade de um indivíduo conseguir dominar tarefas num dado domínio. Nos estudos internacionais International Adult Literacy Survey (IALS) e Adult Literacy and Life Skills (ALL), a oferta de competências foi definida como percentagem de indivíduos que têm uma probabilidade de 80 por cento ou mais de desempenhar correctamente tarefas com um determinado nível de dificuldade num domínio específico de competências. QUADRO 2.1 Monitorização do impacto das intervenções no domínio da literacia segundo o quadro dos meios de vida sustentáveis Social Financeira Produzida Natural Humana Humana Relações mais Agilização de seguros Utilização segura Reivindicações de Competências profissionais eficazes e e rendimentos, maior e eficiente propriedade/controlo geradoras mais rendimentos transparentes transferência de fundos dos recursos e escolarização mais entre dirigentes/ derivados da migração naturais e melhor rentável da próxima agentes saúde geração Natural Grupos eficazes Gestão da dívida Sustentabilidade Melhor fertilidade de utilizadores de hipotecária ambiental e menor recursos naturais degradação/poluição Produzida Disposições para Financiamento do Inovação partilha/empréstimo/ investimento tecnológica com contratação nos especificações grupos precisas Financeira Estabilidade dos Gestão do grupos no recurso fluxo de caixa ao microcrédito Social Cooperação mais eficaz para representação e concorrência mais justa Fonte: Cameron e Cameron (2005). 25 Capítulo 2 / A economia da literacia: Perspectivas teóricas O modelo económico também permite medir a eficácia dos mercados, que estabelecem a correspondência entre a oferta disponível de competências económica e socialmente importantes e a procura corrente, e identificar a forma como as competências influenciam o nível e a distribuição social dos resultados económicos, sociais, educativos e ambientais essenciais ao nível dos indivíduos, das instituições sociais e das nações. A relação entre competências e resultados é o aspecto que mais interesse tem para os decisores políticos. Esta relação permite-lhes identificar e caracterizar a natureza de cada défice de competências e compreender o modo como este influencia o nível geral do desenvolvimento humano (OCDE e Statistics Canada, 2005). A utilidade de qualquer teoria depende, em grande medida, da sua relevância para o enfoque na mudança. No contexto actual, o enfoque na mudança permite aos decisores políticos públicos compreenderem o ritmo a que evoluem globalmente os perfis da oferta de competências, as forças sociais e económicas que estão subjacentes à mudança verificada na oferta e na procura das competências de literacia, o impacto que as mudanças na oferta e na procura terão sobre o nível geral dos resultados essenciais; o modo como esses resultados são socialmente distribuídos; e, o que é mais importante, alguma noção quanto ao âmbito da política governamental necessário para influenciar o nível e a distribuição da oferta e da procura de competências e a eficácia dos mercados que equilibram a oferta e a procura. No modelo de competências em que se baseiam os estudos IALS e ALL, as mudanças na procura de competências podem ter duas fontes: mudanças impostas do exterior e mudanças impostas do interior. As mudanças impostas do exterior na procura de competências resultam de mudanças ocorridas na tecnologia e na organização do trabalho, nos mercados de consumo e nas instituições sociais. Nestas mudanças incluem-se a difusão de novas tecnologias, as inovações nos processos e a reconfiguração de instituições sociais. Embora haja um consenso em que a procura de competências de literacia está a aumentar em todos os contextos da vida – trabalho, casa e comunidade –, esse aumento é produto dos processos de equilíbrio entre desqualificação e requalificação de competências. As mudanças na procura de competências motivadas internamente provêm de duas fontes: em primeiro lugar, das mudanças nos objectivos e aspirações individuais e colectivos, e, em segundo lugar, das mudanças que podem ser consideradas consequências naturais da evolução do indivíduo através das diferentes fases da sua vida. A mudança na oferta de competências económica, social e ambientalmente importantes resultam de mudanças na composição demográfica das populações e em mudanças que ocorrem nos sistemas sociais que sustentam a aquisição e a manutenção de competências ao longo da vida. As reformas tendentes a melhorar a quantidade e a qualidade da educação nos níveis pré-escolar, básico e secundário são o instrumento mais óbvio para levar a efeito mudanças na oferta de competências. A análise dos dados dos estudos IALS e ALL sugerem, no entanto, que existem outros factores que desempenham também um papel significativo na aquisição e na manutenção de competências (OCDE e Human Resources Development Canada, 1997). O nível do desenvolvimento socioeconómico e o nível da participação no ensino superior e a sua qualidade, o nível de participação na educação e na formação de adultos e a sua qualidade, bem como a intensidade de utilização das competências de literacia no contexto profissional são factores que parecem ter um impacto positivo manifesto na oferta de competências e na sua qualidade média. Em forte contraste, os dados empíricos disponíveis sugerem também que alguns dos ganhos de competência na população, obtidos ao longo do tempo através da 26 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise melhoria da educação inicial, são anulados pela perda de competências na idade adulta. Esta perda de competências parece estar relacionada com variações no uso real das competências em vários contextos da vida que, por seu turno, parecem reflectir diferenças na procura social e económica de competências. A cultura parece também desempenhar um papel nas grandes diferenças observadas entre os países quanto à participação na aprendizagem ao longo da vida e quanto aos níveis de utilização de competências fora do contexto do emprego remunerado. A magnitude da perda de competências observada no Canadá, por exemplo, tem sido suficientemente grande para anular todos os ganhos de competências obtidos com o aumento da qualidade e da quantidade da educação inicial e com o aumento das taxas de educação e de formação de adultos (Willms e Murray, 2007). A perda de competências é um assunto que deve merecer atenção urgente a nível das políticas públicas. O espectro dos elevados custos da oportunidade educativa conduz os decisores políticos a reflectirem sobre a necessidade de equilibrar as intervenções do lado da oferta com medidas tendentes a elevar os níveis gerais da procura de competências. A existência de perdas de competências justifica também a necessidade de efectuar a medição recorrente das competências dos adultos. Se a educação básica fixasse as competências para o resto da vida, a avaliação baseada na escola, como o Programme for International Student Assessment (PISA) gerido pela OCDE, bastaria. Nos modelos dos estudos IALS e ALL, os mercados das competências são o mecanismo de reconciliação entre a oferta e a procura. A noção de mercado incorporada nos estudos IALS e ALL é mais ampla do que a noção tradicional de mercado para bens, serviços e trabalho. Esta noção inclui mercados destinados à provisão de bens públicos e serviços, como cuidados de saúde, e mercados que abrangem a troca de bens e de serviços sociais, como o trabalho não remunerado na família e na comunidade. Embora as variáveis não sejam perfeitas, os indicadores empíricos sugerem que os mercados das competências são razoavelmente eficazes na maioria dos países cujos mercados nacionais reconhecem e recompensam as competências. Dito isto, o grau em que as competências influenciam os resultados varia consideravelmente entre os países, facto que parece reflectir o equilíbrio relativo entre a oferta e a procura no que se refere a cada competência. As políticas públicas podem tentar influenciar os três elementos do modelo referido; isto é, os decisores políticos podem tentar influenciar a procura de competências através da adopção de políticas que requeiram tecnologias que implicam uma forte intensidade de competências; podem influenciar a oferta de competências através do financiamento da oferta de educação; e podem aumentar a eficácia dos mercados cuja selecção se baseia nas competências, incluindo o mercado de trabalho. O equilíbrio obtido por um governo entre estes elementos pode ter um impacto profundo sobre os efeitos reais e observados da literacia e de outras competências sobre os resultados económicos. Por exemplo, se a oferta de competências de literacia for adequada e razoavelmente uniforme em nível, a literacia terá um baixo impacto nos níveis salariais, um sinal que alguns economistas interpretam erradamente, considerando que a literacia não tem importância económica. 2.5 A literacia e as teorias das competências As competências têm sido consideradas de um modo genérico e indiferenciado na discussão que efectuámos. Como se ilustra na Figura 2.1, no entanto, na bibliografia relativa à investigação actual, o conceito de competências é muito mais rico – define 27 Capítulo 2 / A economia da literacia: Perspectivas teóricas um conjunto de domínios distintos de competências, inter-relacionadas e hierarquicamente organizadas, em que cada uma tem o seu próprio valor económico, social e educacional. Estes domínios de competências são identificados e medidos em estudos académicos sobre a cognição e a inteligência humanas, em análises de tarefas e de funções subjacentes às normas de competências profissionais e em estudos de investigação que se ocupam dos resultados e dos benefícios expectáveis da educação. São dignos de nota vários aspectos da hierarquia de competências apresentados na Figura 2.1. Em primeiro lugar, os níveis da pirâmide são concebidos para transmitir a noção de que as competências em diferentes níveis estão ligadas de modos específicos – nomeadamente, que as competências dos níveis mais elevados dependem, de alguma maneira, das competências dos níveis inferiores. Um dos objectivos essenciais do estudo ALL era estabelecer empiricamente a força destas dependências. Tais dependências são importantes tanto para o objectivo político como para o educacional porque implicam uma hierarquia de necessidades em que as competências na base da pirâmide deviam merecer prioridade, se existir a preocupação de reduzir desigualdades sociais nos resultados atribuíveis a desigualdades sociais na distribuição de competências. Esta ênfase política implicaria ignorar os apelos dos empregadores para o investimento do Estado em competências de nível mais elevado, como o trabalho em equipa e o pensamento crítico, em que pode haver falta de oferta. Em segundo lugar, os níveis da pirâmide são concebidos para transmitir um sentido de possibilidade de transferências, ou seja, o grau de multiplicidade de contextos de utilização das competências em contexto produtivo. Cada uma das competências medidas pelo estudo ALL é considerada transferível para um vasto leque de contextos. A possibilidade de transferir competências tem implicações para as políticas. Quanto mais transferível for uma competência, mais forte será a justificação para o financiamento da intervenção correctiva pelo Governo, por outro lado quanto menos transferível for, maior será a justificação para o financiamento privado. 28 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise O mundo do trabalho Competências essenciaisTotalmente transferíveis Pouco transferíveis Ambiente doméstico • Família • Cultura • Saúde A comunidade • Mercados de consumo • Saúde • Cidadania • Cultura • Educação FIGURA 2.1 Oferta e procura de competências em contexto Hierarquia de competências gerais e específicas identificadas na bibliografia de investigação como importantes para o local de trabalho, o ambiente doméstico e a comunidade Amplamente transferíveis Fonte: Murray, Binkley e Clermont (2005). Em terceiro lugar, a pirâmide mostra quatro níveis de desempenho que são identificados na bibliografia científica sobre a cognição humana. É claro que a maioria dos indivíduos possui as capacidades práticas e cristalizadas para corresponder à maior parte da procura de competências no quotidiano. A abordagem da avaliação aplicada no estudo ALL centra-se na identificação de competências associadas à inteligência fluida e criativa – os níveis associados a uma adaptação eficaz às mudanças previstas na procura de competências. PráticasCristalizadasCriativas Competências motoras Literacia quantitativa Comunicação oral • falar • escutar Capacidade interpessoal de aprender • motivação • metacognição Comunicações por escrito • ler – texto • ler – documento • escrever PráticasCristalizadasFluidasCriativas Fluidas Utilizar instrumentos associados com tecnologias de produção de uso generalizado, por exemplo as TIC Resolução analítica de problemas • tomada de decisões • planeamento e organização de tarefas no emprego • utilização significativa da memória Relações interpessoais no trabalho • trabalho em equipa PráticasCristalizadasFluidasCriativas Aptidões específicas de uma empresa ou de um emprego e bases de conhecimento ...dependem de • liderança • inteligência prática ...dependem de PráticasCristalizadasCriativasCompetências Literacia Comunicação oral • falar Capacidade interpessoal de aprender PráticasCristalizadasFluidasCriativasFluidasUtilizar instrumentos associados com tecnologias de produção de uso Resolução analítica de problemas • tomada de decisões • planeamento e organização de tarefas no emprego • utilização Relações interpessoais no trabalho • trabalho em equipa • liderança Aptidões específicas de uma empresa ou de um emprego e ...dependem de ...dependem Comunicações por escrito • ler – texto • ler – Cria tiva s PráticasCristalizadasCriativasCompetências Literacia Comunicação oral • falar Capacidade interpessoal de aprender PráticasCristalizadasFluidasCriativasFluidasUtilizar instrumentos associados com tecnologias de produção de uso Resolução analítica de problemas • tomada de decisões • planeamento e organização de tarefas no emprego • utilização Relações interpessoais no trabalho • trabalho em equipa • liderança Aptidões específicas de uma empresa ou de um emprego e ...dependem de ...dependem Comunicações por escrito • ler – texto • ler – Flui das Cris taliz ada s Prá tica s Cria tiva s Flui das Cris taliz ada s Prá tica s 29 Capítulo 2 / A economia da literacia: Perspectivas teóricas Finalmente, o facto de apenas alguns dos domínios de competências terem sido avaliados cria problemas quanto à estimativa do valor económico das competências que foram medidas. Se as competências não medidas estiverem correlacionadas com as que foram medidas, terá de haver muito cuidado para evitar uma distribuição incorrecta das variações. Green e Riddell (2007) ocuparam-se explicitamente deste problema nas suas análises. No próximo capítulo examinaremos os resultados económicos a nível individual associados às competências de literacia. 31 Indicadores sobre os resultados da literacia a nível individual Os estudos efectuados concluíram que as competências de literacia exercem uma influência profunda sobre uma série de importantes resultados sociais e económicos: • resultados associados ao mercado de trabalho, nomeadamente emprego, salários e confiança nas transferências sociais; • resultados associados à educação, nomeadamente níveis de perseverança na conclusão do ensino secundário e participação no ensino pós-secundário e nos sistemas de educação para adultos; • resultados no domínio da saúde, designadamente qualidade geral de vida, mortalidade e custos públicos e privados de tratamentos clínicos; e • resultados sociais, incluindo níveis de participação na comunidade e no processo democrático em geral. Nas secções seguintes destaca-se o que é actualmente conhecido a partir da bibliografia científica sobre o impacto da literacia em cada uma destas áreas. 3.1 Resultados associados ao mercado de trabalho A nível individual, as competências de literacia e de literacia quantitativa podem ser vistas como activos produtivos que as pessoas trazem para o mercado de trabalho. Decorre da teoria do mercado de trabalho que as competências desempenham um papel na criação de desigualdade social nos resultados económicos. As formas de organização do trabalho e as tecnologias de produção actuais impõem um conjunto de exigências de competências que levam os empregadores a recrutar e a remunerar os empregados de acordo com os seus níveis de competências. Nos mercados de trabalho onde se observam grandes diferenças de competências entre indivíduos e subgrupos distintos da população, os trabalhadores com competências mais elevadas tendem a obter empregos estáveis e bem remunerados, enquanto os de baixas competências não conseguem emprego ou são relegados para empregos de baixas competências, intermitentes e de baixos salários. Diversas teorias contribuem para uma explicação da desigualdade observada nos rendimentos individuais. Algumas delas estão relacionadas entre si e podem ser utilizadas combinadamente para acrescentar valor explicativo. Um ponto de partida Capítulo 3 32 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise útil é o do modelo económico neoclássico, atrás descrito, onde está implícito que os indivíduos que mais contribuem para o valor final da produção devem, também, ganhar mais. Em complemento, a teoria do capital humano (Schultz, 1961; Becker, 1962, 1964; Mincer, 1974), cuja premissa central sugere que a contribuição relativa dos indivíduos depende do conhecimento, das competências e de outros atributos que possuem (Blaug, 1976). De acordo com Johnston (2004), muito do trabalho a nível individual tentou estimar as taxas de retorno privadas. A taxa de retorno privada para um determinado nível de instrução ou de literacia é definida como a taxa de desconto que equaliza os actuais custos de valor, incluindo os custos de oportunidade, de aquisição desse nível de instrução pelo indivíduo (em geral participado pela família), com o valor presente do aumento nos futuros rendimentos do indivíduo resultantes do seu nível mais elevado de educação. Deve ser feita uma distinção entre as taxas de retorno privadas e sociais. As taxas de retorno privadas referem-se a custos incorridos e a benefícios dos indivíduos e dos seus agregados com a obtenção de níveis mais elevados de educação (ou de literacia). As taxas de retorno sociais dependem dos custos totais para a sociedade associados ao fornecimento de educação e dos benefícios totais decorrentes da existência de um indivíduo mais educado (ou com mais literacia) na população. O género tem, frequentemente, impacto nas diferenças entre as taxas de retorno privadas e sociais para a educação e a literacia, observando-se elevadas taxas de retorno sociais para as raparigas educadas, principalmente devido aos efeitos na redução da fertilidade e dos custos de saúde. Nos países em desenvolvimento, os retornos relacionados com o ensino primário são tradicionalmente considerados muito elevados, quando comparados com outros investimentos ou com os investimentos nos ensinos secundário e superior. Tipicamente, as estimativas relativas às taxas de retorno sociais na educação incluem simplesmente os custos totais do fornecimento da educação e são, por definição, inferiores às taxas privadas, que excluem alguns desses custos. A medição das externalidades – os benefícios positivos que a educação e a literacia de um indivíduo podem trazer à situação económica dos outros – complica-se precisamente porque está relacionada com várias ligações endógenas de melhoria dos meios de subsistência referidos no capítulo anterior. Sendo o crescimento económico nacional impulsionado pela literacia, existem vários canais através dos quais este processo pode melhorar a subsistência dos indivíduos, das famílias ou das comunidades, embora não fique, de modo algum, assegurado que essas melhorias se verifiquem. No modelo dos meios de vida sustentáveis, isto dependeria das ligações entre a riqueza humana, natural, produzida, financeira e social. Incluindo algumas destas complexidades no lado dos benefícios, é possível aprofundar o conhecimento a partir dos estudos das externalidades positivas da literacia no seio dos agregados familiares, com base na ideia de que indivíduos com mais literacia podem fornecer serviços de literacia a pessoas com menos literacia na mesma sociedade, serviços esses que aumentam os rendimentos dos membros com menos literacia. Na linguagem do modelo dos meios de vida sustentáveis, isto pode ser visto como uma ligação entre a riqueza humana e a riqueza social. Os economistas do trabalho propuseram várias teorias concorrentes nos seus esforços para reconciliar os dados empíricos disponíveis com a teoria inicial subjacente. Por exemplo, a teoria dos mercados de trabalho segmentados, popularizada por Doeringer e Piore (1971) diferiu tradicionalmente da teoria do capital humano no que respeita ao seu enfoque. Ela tendeu a enfatizar as características dos empregos e 33 Capítulo 3 / Indicadores sobre os resultados da literacia a nível individual dos mercados de emprego, mais do que as características dos indivíduos (Duncan e Hoffman, 1979). A teoria dos mercados de trabalho segmentados sugere que os diferentes mercados de trabalho funcionam em circunstâncias diferentes, nomeadamente de regulamentação, tecnologia, procura e oferta, que conduzem a remunerações e benefícios variáveis. Muitos proponentes desta teoria sugeriram que a produtividade e a remuneração do trabalhador são mais determinadas pelo trabalho e a sua tecnologia do que pelo capital humano desse trabalhador (Velloso, 1979). Estas conclusões são sobretudo baseadas em estudos que consideram a segmentação dos mercados de trabalho como uma função da indústria. Em muitos estudos deste tipo, as características do trabalho não são encaradas do ponto de vista das características individuais (isto é, capital humano) necessárias para a realização de tarefas profissionais. Em contraste, existem outros estudos (por exemplo, Osberg et al., 1989, Raudenbush e Kasim, 2002) que consideram a segmentação dos mercados de trabalho como uma função da profissão. Esta abordagem considera explicitamente relevantes as características individuais, como o capital humano, por serem necessárias para a realização das funções de diferentes profissões. Osberg et al. (1989) afirmam que, devido à subcontratação e a outros desenvolvimentos, as classificações da actividade económica baseadas na indústria estão a tornar-se cada vez menos fiáveis, existindo, assim, uma necessidade de dar ênfase à composição profissional da força de trabalho. Esta última abordagem do modo de considerar a segmentação do trabalho permite averiguar se os retornos das qualificações e das competências variam segundo os diferentes tipos de ocupação profissional. Os dados respeitantes à procura relativos às competências profissionais padrão identificam, na realidade, uma heterogeneidade substancial no conteúdo de competências dos empregos (HRSCD, 2006). Outra importante teoria é a da sinalização (Arrow, 1973; Spence, 1973; Riley, 1976; Weiss, 1995). Dispondo os empregadores de informações imperfeitas sobre os potenciais empregados, nomeadamente quanto às suas capacidades e produtividade futura, confrontam-se com um dilema no momento da contratação. Deste modo, têm poucas opções para além de inferir as capacidades dos candidatos para produzir com base nas qualificações validadas e reconhecidas que eles apresentam, nomeadamente os níveis de escolarização. Em resumo, esta teoria sugere que a educação age como um dispositivo que sinaliza ou selecciona as características não observadas. Mesmo que a educação funcione apenas como um substituto para o capital humano, ela tem uma importância vital na sua função de elemento de selecção ou filtragem. Existem, na realidade, conclusões (por exemplo, Black e Lynch, 1966, p. 266) que sugerem que as credenciais educativas são importantes para os empregadores no momento da contratação e que, por isso, desempenham um papel importante no acesso aos empregos. A sinalização tenderá a reduzir os retornos económicos observados para as competências, na medida em que as credenciais educativas são apenas parcialmente correlacionadas com as verdadeiras competências. Grande parte da bibliografia científica padece de uma debilidade comum – sem medições directas de capital humano, está limitada pelo pressuposto de que os indivíduos com um nível de instrução especificado possuem conhecimentos, competências e outros atributos semelhantes. A variação observada nos salários, dentro das mesmas profissões, é muito maior do que é explicável pelas diferenças nos níveis de escolarização. Esta variação é, indubitavelmente, um produto da variação subjacente no grau em que as empresas empregam e remuneram as competências e nos níveis reais de competências dos trabalhadores. 34 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Os modelos dos estudos IALS e ALL não oferecem qualquer perspectiva sobre a heterogeneidade entre as empresas no que se refere à utilização e à remuneração das competências. Estes estudos, porém, propõem medidas directas que permitem identificar e avaliar competências específicas separadamente de muitas características cuja medição indirecta se supõe associada à educação. Estes estudos também permitem aumentar a compreensão da correspondência entre os meios [inputs] e os resultados [outputs] do processo de formação do capital humano. Se uma competência específica for valorizada independentemente da escolarização, então a escolarização pode continuar a funcionar como substituto de outras características não medidas. 3.2 Efeitos sobre os níveis de emprego e de salários Green e Riddell (2001) ajustam a aptidão em literacia e os níveis de escolarização utilizando simultaneamente uma abordagem de tipo minceriano. Encontram retornos significativos da aptidão em literacia no mercado de trabalho canadiano – cerca de 3,0 a 3,5% por cada aumento de 10 pontos na escala de literacia em prosa.2 Uma análise mais pormenorizada dos mesmos autores (Riddell e Green, 2002) confirma este resultado e, além disso, estabelece que o retorno das competências é mais ou menos estável através de toda a distribuição salarial. Esta constatação sugere que as competências contribuem directamente para a produtividade e não são simplesmente um instrumento de selecção. Riddell e Green (2002) determinam também que as competências de literacia e de literacia quantitativa explicam uma parte significativa da variação salarial total uma vez filtrada a variação atribuível a efeitos de selecção que tendem a desfocar a relação entre salários e características produtivas. Esta conclusão implica que as características ainda não medidas são menos importantes em termos relativos. Ao efectuarem o controlo da aptidão em literacia, a OCDE e a HRDC (1997) concluem também que o efeito da educação nos rendimentos é reduzido. Riddell e Green (2007) alargaram e aperfeiçoaram recentemente estas análises para o Canadá recorrendo a dados do estudo ALL 2003. Eles confirmam a existência de fortes efeitos sobre o emprego e os salários em todo o mercado de trabalho, para aborígenes e para imigrantes. Esta última conclusão é particularmente importante porque atesta que, no mercado de trabalho canadiano, não existem dados que comprovem uma discriminação sistémica baseada nas competências. Os resultados dos relatórios de Osberg (2000: 8) indicam que 40 a 45% do retorno económico da educação são atribuíveis à aptidão em literacia, o que significa que a educação produz outros resultados economicamente importantes. Boothby estabeleceu que as competências de literacia atraem prémios salariais significativos em empregos cujos titulares são sobre- ou subqualificados, sugerindo assim que a literacia contribui directamente para a produtividade (Boothby, 1999). Raudenbush e Kasim (2002) estabeleceram que os prémios salariais decorrentes da literacia nos Estados Unidos aumentam com a intensidade dos empregos em informação e conhecimento. Finalmente, Shalla e Schellenberg (1998) citam investigação conduzida pela National Anti-Poverty Organization (NAPO) que demonstra que as mulheres e os homens canadianos em idade activa que são economicamente desfavorecidos e que possuem competências de literacia reduzidas são duplamente desfavorecidos e enfrentam um elevado risco de marginalização. Os efeitos interactuantes e combinados dos baixos rendimentos e da literacia limitada podem provocar custos sociais e 2. Estes retornos dizem respeito a rendimentos registados semanalmente. 35 Capítulo 3 / Indicadores sobre os resultados da literacia a nível individual económicos elevados para os indivíduos e para a sociedade, especialmente em circunstâncias de reestruturação económica e das correspondentes mudanças no mercado de trabalho. Do conjunto de elementos de demonstração acima analisados torna-se claro que as competências de literacia e de literacia quantitativa desempenham um papel significativo na distribuição de oportunidades de emprego e de salários nos mercados de trabalho relativamente abertos da América do Norte. Estas conclusões para os mercados de trabalho da América do Norte encontram paralelo em análises semelhantes realizadas em muitos – mas não todos – os outros países sobre os quais existem dados disponíveis dos estudos IALS e ALL. Os retornos das competências de literacia na Suécia, por exemplo, parecem ser reduzidos, em grande medida porque a quantidade e a qualidade das competências na população é globalmente elevada e não muito variável. Consequentemente, é provável que os empregadores suecos atribuam diferenças salariais com base noutras características que contribuem para a produtividade (OCDE e HRDC, 1997). As conclusões sugerem igualmente que os retornos variam de acordo com as profissões. Utilizando os dados do estudo National Adult Literacy Survey (NALS), Raudenbush e Kasim (2002) aplicam um modelo da economia da informação com trabalho segmentado retirado de Osberg et al. (1989) para explorar as relações entre várias desigualdades sociais, a desigualdade em competências de literacia e a desigualdade no emprego e nos rendimentos, nos tipos de profissão e entre eles. Os autores associam “boas” profissões a profissões no domínio da informação relativamente bem pagas. Na sua análise, o efeito médio das competências de literacia representava aproximadamente 25% do contributo da educação para os rendimentos. Um aumento de um desvio-padrão na aptidão de literacia estava associado a um aumento de aproximadamente 18% nos rendimentos horários, mas este valor variava de acordo com o tipo de profissão. Por exemplo, os autores concluem que, no mercado de trabalho dos EUA, a relação entre competências de literacia e rendimentos é mais acentuada em profissões no domínio da informação do que em profissões de outro tipo. Utilizando dados do estudo IALS relativos ao Reino Unido, McIntosh e Vignoles (2001) concluem que os homens com competências de literacia em redacção de nível 2 têm 9% mais probabilidades de terem emprego do que os homens com competências de literacia em redacção de nível 1; o valor correspondente para as mulheres é de 13,5%. Os estudos da América do Norte indicam que um aumento de um desvio-padrão na literacia aumenta a probabilidade de emprego em 2-4% nos homens e até 8% nas mulheres. A maioria dos estudos conclui que o impacto da literacia no emprego é maior para as mulheres do que para os homens. Pryor e Schaffer (1999) consideram que isto acontece porque a oferta de mão-de-obra feminina é mais sensível aos rendimentos horários do que a oferta de mão-de-obra masculina, e que os rendimentos horários estão positivamente relacionados com a literacia. Existem outros estudos de investigação que utilizaram avaliações directas de competências básicas. Por exemplo, Murnane, Willet e Levy (1995) demonstram que a intensidade do conhecimento e da informação nas profissões aumentou entre a década de 1970 e meados da década de 1980. Em Murnane, Willet, Braatz e Duhaldeborde (2001), são examinados três tipos de competências, nomeadamente competências académicas, competências na rápida conclusão de tarefas elementares e auto-estima, confirmando a importância das competências básicas no mercado de trabalho nos Estados Unidos. Riviera-Batiz (1992), utilizando os dados do estudo Young Adult Literacy Survey (YALS), mostra que a literacia quantitativa também tem um efeito independente nos rendimentos, e acima do efeito da educação inicial. 36 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise Os dados sugerem que os retornos das competências de literacia podem variar substancialmente entre países. Por exemplo, Devroye e Freeman (2001) concluem que o mercado de trabalho dos EUA classifica as pessoas por aptidão em literacia mais do que qualquer outro país. Blau e Kahn (2001) confirmam esta tendência sugerindo que o conhecimento e as competências têm um papel significativo na explicação das desigualdades salariais relativamente elevadas dos EUA, mas também concluem que os benefícios da literacia em termos de rendimentos variam consoante o país. Leuven (2000) conclui também que a relação entre ensino inicial e valores cognitivos é mais acentuada nos EUA do que noutros países da OCDE. Em contraste, Tuijnman (2000) conclui que o mercado de trabalho polaco compensa as qualificações educativas e a experiência profissional mas não recompensa significativamente as competências de literacia. A análise do impacto da literacia nos salários da China urbana sugere que as relações observadas nos países economicamente desenvolvidos também existem noutros locais (Giles and Zhang, 2003). Em muitos estudos, os resultados diferem entre homens e mulheres, embora não se verifique qualquer padrão evidente ou coerente. Num estudo preparado para o Ministério das Finanças da Nova Zelândia, Johnston (2004) descreve um conjunto de estudos, incluindo uma análise dos dados do estudo IALS relativos à Nova Zelândia por Maré e Chapple (2000), que revela que um aumento de 10% na média dos valores nas três formas de literacia aumenta os rendimentos anuais dos homens em 4% e os rendimentos anuais das mulheres em 5,1%. Para analisarem o efeito nos rendimentos por unidade de tempo, Maré e Chapple adicionam controlos para as horas normais que cada pessoa trabalha por semana, para as semanas de trabalho no ano precedente e para o trabalho a tempo inteiro ou a tempo parcial. Concluem, recorrendo a estes controlos, que um aumento de 10% nos valores médios de literacia aumenta os rendimentos de homens e mulheres em 5 e 3,2%, respectivamente. Utilizando também dados do estudo IALS, Denny, Harmon e O’Sullivan (2004) calculam os benefícios da literacia nos rendimentos em 17 países. Os resultados diferem consideravelmente entre países, desde um retorno de 1,3% na Alemanha até 3,3% nos Países Baixos. Na Nova Zelândia, um aumento de 10% no valor da literacia média, no estudo IALS, está associado a um aumento de 2,4% nos rendimentos horários, um resultado que se encontra no meio desta escala. Os benefícios da literacia parecem também alterar-se ao longo do tempo. Murnane, Willet e Levy (1995), por exemplo, acompanham duas coortes de jovens nos Estados Unidos, separadas por oito anos. Concluem que o aumento dos rendimentos associado às competências básicas de leitura e de matemática, medido no último ano do ensino secundário, era muito superior na coorte mais recente do que na mais antiga. Na sua análise da bibliografia científica, Cameron e Cameron (2005) descrevem uma ampla variedade de resultados no mundo desenvolvido e no mundo em desenvolvimento. Boissiere et al. (1985) apresentam um estudo rigoroso do impacto directo das competências cognitivas derivadas da literacia. A sua investigação com 384 indivíduos no Quénia e na Tanzânia permitiu-lhes isolar aquisições de competências cognitivas e comparar o seu impacto nos rendimentos em relação aos anos de escolarização (em substituição de um factor de selecção “credencialista”) e diferenças na capacidade de raciocínio inata. Concluíram o seguinte: “Os retornos directos da capacidade de raciocínio no mercado de trabalho são reduzidos, os dos anos de educação são moderados e os da literacia e da literacia quantitativa – dimensões 37 Capítulo 3 / Indicadores sobre os resultados da literacia a nível individual do capital humano – são elevados. Os retornos dos resultados cognitivos não são significativamente mais reduzidos para os trabalhadores manuais do que para os trabalhadores não manuais” (Boissiere et al., 1985: 1028). Psacharapoulos e Patrinos (2002) apresentam médias internacionais de 27% para as taxas de retorno privadas do ensino primário e 19% para as taxas de retorno sociais. No caso dos países com baixos rendimentos, as taxas de retorno privadas parecem ser ligeiramente mais baixos (26%) enquanto os retornos sociais são ligeiramente mais elevados (21%) do que as médias mundiais. Johnston (2004) conclui que, embora variem entre estudos, países e períodos, os resultados dos diferentes estudos são razoavelmente coerentes. Em todos os estudos, um aumento de 10 pontos na literacia, nas escalas de 500 pontos IALS e ALL, resultam num aumento dos rendimentos de aproximadamente 1% a 5%. Segundo Johnston (2004), um aumento de um desvio-padrão de 1 num teste de literacia gera um aumento dos rendimentos entre 4% e 20%. Em termos comparativos, um ano de escolarização está tipicamente associado a um aumento dos rendimentos entre aproximadamente 7% e 10% por ano – pelo que a conclusão inevitável é que os investimentos em literacia geram dividendos económicos importantes – pelo menos enquanto a economia for capaz de tirar partido das competências adicionais. 3.3 Efeitos distributivos sobre o emprego e os salários Os estudos definem tipicamente uma relação linear entre os rendimentos registados e a literacia, de modo que um aumento de 10 pontos nos valores de literacia produz necessariamente o mesmo efeito percentual nos rendimentos quer a níveis de literacia elevados, quer a níveis de literacia reduzidos. Johnston (2004) resume os estudos que testam a não linearidade: Maré e Chapple (2000) analisam se a literacia tem uma elasticidade significativamente superior em termos de rendimentos para as pessoas com baixas competências de literacia mas não conseguiram apoiar esta hipótese. Contudo, a especificação do seu modelo logarítmico implica, de facto, que um aumento de 10 pontos nos valores em níveis reduzidos de literacia será mais recompensado do que um aumento de 10 pontos em níveis elevados de literacia. Rivera-Batiz (1990) conclui que um termo quadrático que envolva a literacia tem um sinal negativo (indicando um efeito mais forte em níveis reduzidos de literacia), mas que esse sinal é apenas marginalmente significativo. Denny et al. (2004) incluem a não linearidade nos seus resultados utilizando variáveis virtuais para cada quintil da distribuição dos valores do estudo IALS em vez do próprio valor da literacia. Concluem que, na Nova Zelândia, o maior aumento nos rendimentos decorre da transferência do primeiro para o segundo quintil das pontuações do estudo IALS (ou seja, a níveis baixos de literacia). Contudo, outros países apresentam padrões de rendimentos diferentes. No Reino Unido, por exemplo, o maior salto nos rendimentos é originado pela transferência do quarto para o quinto quintil dos valores de literacia. Lee e Miller (2000) e McIntosh e Vignoles (2001) analisam especificamente a diferença de rendimentos entre pessoas em vários níveis de literacia no estudo IALS, embora a maior parte dos coeficientes indicados nestes dois estudos não sejam estatisticamente significativos, devendo, pois, ser tratados com cautela. Lee e Miller (2000), utilizando um conjunto de dados australiano, referem que 38 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise o maior aumento nos rendimentos dos homens decorre da transferência do nível 1 para o nível 2, mas que o maior aumento nas mulheres é originado pela transferência do nível 4 para o nível 5. McIntosh e Vignoles (2001) indicam, no caso do Reino Unido, que o aumento dos rendimentos pela presença no nível 2 da escala de literacia em redacção em comparação com o nível 1 é de 11,5% nos homens e de 14% nas mulheres. O aumento decorrente da presença nos níveis 3-5 desce nos homens para 9,5%, mas cresce nas mulheres para 19,2%. Apesar destas questões em torno da estimativa dos retornos da educação, a análise recente de Harmon, Oosterbeek e Walker (2003) conclui que o efeito da educação nos rendimentos individuais é inequivocamente positiva e significativa em comparação com retornos de outros investimentos. De igual modo, Appleton e Teal (1998), ao analisar dados de estudos que incorporaram variáveis anteriormente omitidas, como o contexto parental e as competências cognitivas, sugerem que os rendimentos do capital humano estimados de forma convencional podem ser sobrestimados, mas não demasiado. Em 2005, os trabalhadores canadianos recebiam, em média, 19,09 dólares por hora antes de impostos e de outras deduções. Assim, um aumento de 10 pontos nos valores médios de literacia, a manterem-se inalterados todos os outros factores, aumentaria os salários médios em 95 cêntimos para 20,04 dólares por hora (Statistics Canada, 2005). Estima-se que, em 2002, os canadianos tenham trabalhado 27 230 341 000 horas, o que implica que os rendimentos globais tenham crescido 25,9 mil milhões de dólares ou 1 653 dólares por trabalhador (Statistics Canada, 2005). 3.4 Resultados em matéria de tecnologias de informação A afirmação de que os mercados de trabalho nas economias desenvolvidas estão a sofrer uma transformação fundamental em consequência da mudança tecnológica adquiriu o estatuto de facto reconhecido (OCDE, 2003). As características desta mudança tecnológica variam de descrição para descrição, mas todas têm em comum a premissa de que as novas tecnologias e as novas formas de organização do trabalho aumentam a intensidade de conhecimento e de informação dos empregos e favorecem, portanto, os trabalhadores com mais literacia em relação aos que possuem menos literacia (Katz e Autor, 1999). Tipicamente, as competências que são referidas parecem ser cognitivas: o tipo de competências mais útil na interacção com as novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC). Contudo, um volume significativo de trabalho empírico sugere que os traços não cognitivos explicam melhor a variação observada nos rendimentos do que as competências cognitivas medidas (Bowles et al., 2001). As medições de competências em TIC incorporadas no estudo ALL baseiam- se em trabalho realizado por Irwin Kirsch e colegas no Educational Testing Service (ETS). O modelo ETS define as competências em TIC como uma combinação entre competências cognitivas – competências e literacia, literacia quantitativa e resolução de problemas – e competências técnicas associadas à utilização de uma determinada tecnologia – a sua sintaxe, a interface do utilizador, etc. Embora a aptidão dependa da aplicação dos dois conjuntos de competências, a dificuldade relativa das competências em TIC é, em grande medida, ditada pela natureza das tarefas em causa. Como se ilustra na Figura 3.1, o modelo ETS define cinco níveis ascendentes de aplicação – aceder, gerir, integrar, avaliar e criar. 39 Capítulo 3 / Indicadores sobre os resultados da literacia a nível individual Aceder Gerir Integrar Avaliar Criar Aptidão em TIC Aptidão técnica Aptidão cognitiva FIGURA 3.1 Modelo para medição de aptidão de literacia em TIC Fonte: Educational Testing Service (2003). Este modelo permite classificar os indivíduos em quatro categorias (Quadro 3.1), cada uma delas com implicações diferentes para o ensino de recuperação necessário à utilização da tecnologia no local de trabalho. Do ponto de vista de um empregador, os trabalhadores classificados no grupo B são considerados como tendo literacia em TIC e como estando preparados para o emprego, enquanto os trabalhadores do grupo A requerem formação técnica em utilização de TIC. Os trabalhadores do grupo C exigem ampla formação em literacia e TIC. Encontram-se números muito reduzidos de trabalhadores no grupo D – os trabalhadores neste grupo são utilizadores contínuos de TIC que requerem pouco investimento cognitivo. QUADRO 3.1 Classificação da aptidão cognitiva e técnica Aptidão Técnica Aptidão Cognitiva Baixa Elevada Aptidão Cognitiva Elevada A B Aptidão Cognitiva Baixa C D Fonte: Educational Testing Service (2003). O estudo ALL colocou um conjunto de questões destinadas a identificar a incidência, a frequência e a dimensão da utilização de TIC no trabalho e na vida quotidiana (ver Caixa 3.1). As questões foram utilizadas para criar um par de índices compostos de TIC. A Figura 3.2A confirma a existência de uma forte associação entre as competências de literacia e a utilização de TIC num conjunto de países. 40 A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise FIGURA 3.2A Utilização de computadores para execução de tarefas por competências de literacia Valores médios de índice numa escala que mede a intensidade de utilização de computadores para execução de tarefas específicas, por níveis de literacia em redacção, populações com idades entre 16 e 65, 2003 7 5 4 3 6 Nível 1 Nível 2 Nível 3 Níveis 4/5 Index scores Index scores 7 5 4 3 6 Fonte: Adult Literacy and Life Skills Survey, 2003. Bermudas Estados Unidos Canadá Noruega Itália Suíça Caixa 3A Índices de utilização e familiarização com TIC Foram derivados três índices de utilização e familiarização de TIC de diversas variáveis observadas, recolhidas no estudo ALL. As variáveis relacionadas com TIC foram examinadas utilizando a Análise Exploratória de Factores com componentes principais especificada como método. Foi depois realizada uma Análise Confirmativa de Factores para validar três modelos admitidos como hipóteses com base nos resultados exploratórios e numa interpretação das variáveis observadas. Os valores dos índices foram derivados em conformidade com os modelos especificados, utilizando um modelo de escalas Rasch. Os valores para cada índice são apresentados como valores normalizados numa escala de 10 pontos, com uma média de 5 e um desvio-padrão de 1,5. As variáveis subjacentes utilizadas para construir as três medições são a seguir referidas: 1. Índice de utilidade apercebida e atitude perante os computadores Indique, por favor, se concorda bastante, concorda, discorda ou discorda bastante de cada uma das seguintes afirmações: • Os computadores têm-me tornado possível fazer mais em menos tempo • Os computadores têm-me facilitado a obtenção de informação útil • Os computadores ajudaram-me a aprender novas competências para além das competências informáticas • Os computadores têm-me ajudado a comunicar com as pessoas • Os computadores têm-me ajudado a atingir os meus objectivos profissionais (de carreira)